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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010


E todos os dias era a mesma coisa. Abria a loja, arrumava as coisas, atendia clientes, pausa para o almoço, atendia mais clientes, arrumava a loja e fechava a loja. E toda noite, quando eu ia fechar a loja, estava aquela mesma menina. Uma menina horrível, vestida com trapos, que grudava o rosto no vidro e me obrigava a limpa-lo de novo. Depois, ficava parada na frente da porta, como se debatesse internamente se deveria entrar ou não. E para botar ela para fora era pior ainda. Tinha que falar umas quinhentas vezes, repetir, sacudi-la um pouquinho para aí ela perguntar se eu tinha falado alguma coisa. Hoje, não foi diferente. Mas, já estava cansada e resolvi perguntar o que é que ela tanto admirava. Se fosse alguma coisa barata, lhe daria para que ela parasse de me agoniar.
-Não é por nada não, garota, mas porque toda a noite você sempre vem aqui?
- Hã? Falou alguma coisa? – Perguntou
- Sim, eu perguntei por que você toda noite vem aqui.
- Não sei se deveria dizer...
- Já eu acho que você me deve uma explicação.
- Bem, é que toda noite, eu meio que escuto minha mãe dizendo para eu vir para cá. E, quando estou aqui, às vezes a vejo sentada perto da lareira, com uma caneca na mão, me chamando para mais perto. Ela me diz que essa casa antes era dela, e que grande parte das coisas aqui dentro também, e que eu deveria, por direito, pegar essas coisas de volta. Por isso a minha indecisão se eu deveria ou não entrar. Por fim, eu acho que você não merece ficar na rua como eu, e a deixo mais um pouquinho.
- Como é seu nome, minha filha?
- Elizabeth Rosen
Não posso dizer que não estava surpresa. Realmente, há cinco anos, essa casa pertenceu a uma mulher chamada Morgan Rosen, e eu a servi por muitos anos. Antes de morrer, ela me pediu duas coisas: Que abrisse essa loja de antiguidades, e que encontrasse a filha desaparecida. Sempre vim antecipando essa segunda tarefa, e hoje à noite, descubro que ela estava ao meu lado há muito tempo.
- Liz! Não acredito! É você!
- Eu mesma Rosa.
- Porque você fugiu quando tinha cinco anos? Sua mãe morreu de desgosto.
- Sai para comprar doces, mas não me lembrei do caminho de volta. Certo dia, acordada de um sonho, me vi atravessando as ruas até chegar a essa casa. E é isso que eu venho fazendo desde então.
- Pois entre minha filha! Vou cuidar de você bem direitinho!
- Obrigada. E antes que eu me esqueça, mamãe está profundamente agradecida por você cuidar de mim.
Não é por nada, mas eu juro que vi alguém sentada na cadeira perto da lareira com um sorriso no rosto.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Doceria


Incrível o quanto eu aprendi sobre a raça humana apenas sentada na mesa do fundo daquela doceria. Perdi horas e horas da minha tarde já ociosa apenas assistindo a dona Adelaide fazer seus doces e atender seus diversos clientes. Ela era com certeza uma das mulheres mais pacientes que eu já vi em minha vida, tanto para preparar seus doces quanto para atender seus clientes. Com ela, aprendi que na vida sempre vale a pena refazer seus erros, para depois ver que eles se transformaram em lindas obras de artes. E também aprendi muita coisa com os clientes. Lembro que certa tarde eu estava sentado aqui comendo um doce de framboesa delicioso, quando entrou uma madame pela porta da frente. Uma madame mesmo, com um vestido de seda pura lindíssimo, e um cachorro com coleira de cristais a tiracolo. Com ela, aprendi a que não deveria ser apressada, que o mundo não gira ao meu redor, como ela achava. Também aprendi com um senhor português que eu deveria sempre sorrir para todos, independentemente do que eu estivesse passando. Mas a lição mais importante foi, com certeza, a que eu aprendi com um meninho, com pouco mais que cinco anos. Eu estava brigando com o meu cachorro, dizendo para ele não fazer suas necessidades na rua, pois o cachorro do meu vizinho não fazia. Então ele se aproximou, com um cupcake de chocolate e m’ms na mão, olhou para mim e disse:
- Meu senhor, você consegue encontrar outro bolinho igual a esse ali?- e apontou para onde ficava expostas as comidas.
- Não, mas consigo achar parecidos.
- E por que você espera que esse cachorro seja igual ao outro? - Dito isso, deu-me as costas e foi-se embora. Depois desse dia, passei a perdoar os defeitos dos outros, pois nunca ninguém vai ser perfeito, ou igual à outra pessoa.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Chove alegria...


E, naquela cidade triste, duas crianças conversavam. Estavam sinceramente interessadas uma na outra, ambas sentadas em um banco no meio da praça, praça que só era frequentada por pessoas tristes. Naturalmente, a conversa surgiu. Ele perguntou o nome dela, e ela perguntou o nome dele. De repente, no meio daquela praça, as duas crianças começaram a rir. Porque, não importava, só sei que aquele riso mexeu com o coração dos homens mais tristes, e todos se reuniram em volta delas. Antes que alguém se desce conta, todos estavam rindo, e aquele riso foi se espalhando por toda a cidade, até que aquela cidade deixou de ser triste, e passou a ser feliz. Instantaneamente, começou a chover. Mas, nessa tarde, não choveu chuva. Choveu alegria. E todos os cidadão olharam para cima, admirados com aquele espetáculo de risos. O menino também. De repente, olhou para o lado, onde a menina estava. Ela não se encontrava mais. Em vez disso, estava espiando por entre as nuvens, rindo feliz por ter cumprido a sua missão e ter deixado tantas pessoas felizes por tão pouco.